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O CidadГЈo Anulado E Outras HistГіrias
Foraine Amukoyo Gift


O Jornalista Cidadão – Frequentemente, nos esquecemos da força que os burocratas exercem sobre a mídia. O primeiro passo na direção do controle populacional é o controle da mídia. Isso concede às pessoas poder sobre a opinião pública. A corrupção nessas áreas está pior do que nunca. Essa história é extremamente relevante no que diz respeito à corrupção e à política atualmente nos Estados Unidos da América. Concordo com Kola: deveria haver apenas uma maneira de se divulgar notícia - relatando a verdade. O Cidadão Anulado – Outra história comovente e politicamente estimulante. Devido à nossa ganância, crescimento e necessidade de inovação, repetidamente negligenciamos as consequências para o meio ambiente. É muito fácil esquecer o alcance disso quando se vive em uma área urbana que tem se desenvolvido ao longo dos séculos.

A mulher estava em trabalho de parto. Algumas pessoas na rua podiam ouvir os seus gritos. Aqueles que se comoviam com as fortes dores que ela devia estar sentindo dedicavam alguns momentos para fazer pequenas orações pela paciente, enquanto outros lançavam olhares para o hospital. Após horas em um difícil trabalho de parto, médicos e enfermeiras entregaram à mãe um menino. O bebê era enorme. A mulher estava com a vagina rompida. Sangrava sem parar. Desmaiou várias vezes e o médico a reanimou com choques elétricos. Ela perdia muito sangue. Acreditava que transfusão de sangue não era da vontade de Deus. Seu marido rezou por intervenção divina. “Senhor Jason, precisa autorizar a transfusão para salvar a sua alma-gêmea. Não quer que as crianças fiquem sem mãe, não é?, advertiu o doutor Greg. O senhor Jason ponderou por alguns minutos. “Não, não quero perder a minha esposa. Não poderia suportar isso. Por favor, faça a transfusão”, replicou. A senhora Jason estava inflexível: “Jason, por que você tem tão pouca fé? Não quero fazer transfusão de sangue”.








O CidadГЈo Anulado



Gift Foraine Amukoyo



O CidadГЈo Anulado e Outras HistГіrias



Contos




Gift Foraine Amukoyo


Tradução: Valeria Gauz



Publicado por



TEKTIME


В© Gift Foraine Amukoyo, 2019










Publicado pela primeira vez em 2021



Todos os direitos reservados



Design da capa de Owoyale Ibrahim damola



Primeira impressГЈo, julho de 2021



Tradução: Valeria Gauz


Para a minha avГі



Esther Willie Awerije


SUMГЃRIO



1 Um gesto de Amor (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



2 HistГіrias da Aldeia (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



3 Eu Enterrarei o meu Pai (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



4 Lição Amarga (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



5 Ouro na Lama (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



6 Leia e Lidere (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



7 Vida Moderna (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



8 Um Gosto de Racismo (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



9 Um Teste de FГ© (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



10 O Jornalista CidadГЈo (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



11 Aso Ebi, o Tecido Tradicional (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



12 Ama e Amber (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



13 O Lado Sombrio de uma Maternidade (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



14 Nome e a Tradição de Vabam (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



15 Anita na EscuridГЈo (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



16 DГЄ-me um Neto (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



17 Educação Sexual? (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



18 Em Farrapos (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



19 A Força da Mulher (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



20 O CidadГЈo Anulado (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)



21 A Vida Tem seus Caminhos (#ulink_0f103b50-7895-5f1b-bf5b-783808b17624)


Um



Um gesto de Amor



Rabisquei minha assinatura na primeira pГЎgina do documento e parei. A caneta escorregou dos meus dedos Гєmidos de suor. NГЈo era fГЎcil dar fim Г  vida de uma pessoa.



Mira fixou seus olhos em mim, mas eles estavam distantes.



- Se realmente me ama, apenas assine. VocГЄ Г© o Гєnico membro da famГ­lia autorizado a acabar com esse sofrimento - ela disse.



- Como posso fazer isso? NГЈo quero perder a Гєnica pessoa que tenho na famГ­lia. VocГЄ Г© tudo para mim nesse mundo.



- Eu nГЈo posso continuar assim. Estou sendo um estorvo.



- Fique comigo. NГЈo me importo. Fique o tempo que quiser. Eu nГЈo quero ser o seu assassino. NГЈo conte comigo.



- Não é homicídio; é suicídio. Eu estou me matando. Apenas faça, Tejiri.



- NГЈo posso permitir isso. Mira, fique comigo.



Peguei os seus pГЎlidos dedos.



- Tejiri, vocГЄ nГЈo tem escolha. Todos morrerГЈo um dia. Eu, hoje.



- NГЈo, Mira. Eu realmente tenho escolha.



- Deveria fazer uma escolha sensata. Faça isso e volte para a sua vida. Estou matando você com a minha doença. Tejiri, olhe no espelho. Está perdendo peso. Estou mais gordinha do que você.



Ri. - Bem que gostaria; bem que gostaria, Mira.



Eu peguei seu punho fino e concordei: - Sim, vocГЄ parece mais saudГЎvel do que eu, por isso deveria ir para casa e cuidar de mim. Sinto falta de todas as suas sopas e lanches. Gostaria que um milagre acontecesse.



- Se existisse, teria me livrado dessa doença há muito tempo. Todos os jejuns inúteis, vigílias e preces nas montanhas mostraram que não tive sorte para me curar. Milagres não existem. Se existem, eu fui abandonada; não são para mim. Ah, deuses do Céu e da Terra: preciso de uma segunda chance com saúde, para respirar sem medo de ser a última vez. A ideia de deixá-lo é a única coisa que me amedronta.



Mira se virou, a fim de esconder as lГЎgrimas rolando por sua face.



- Mira, tenho tanto medo de ficar sem a sua presença. Ficarei tão sozinho... - Solucei.



Mira secou suas lágrimas, virou o rosto pra mim e respirou. - Pare de chorar como um menininho. Você já é um homem crescido. Essas bolas entre as pernas e a barba não são apenas enfeites. Tejiri, não seja imprudente. Você abriu mão do seu emprego para cuidar de mim. Pedi a seu chefe que segurasse a sua carta de demissão. Ele fez um favor a uma moribunda e lhe deu uma licença por sete dias. Ainda temos cinco. Tejiri, assine os papéis e volte a viver a sua vida.



Mira tossiu sangue por dez minutos. A visão era terrível. Via sofrimento em seus olhos e algo como uma súplica urgente. Peguei a caneta e rabisquei minha assinatura definitiva. Uma enfermeira com ar arrogante levou o documento embora. O sorriso e maneira de caminhar dela pareciam ser de triunfo. Isso deu um nó na minha cabeça.



O médico e duas enfermeiras retornaram com a injeção letal: - Deve ser rápido. É indolor - disse o médico.



Não conseguiria presenciar a morte da Mira. Saí do quarto, pensando se a minha decisão final tinha sido correta. Fora insuportável vê-la sofrer dia e noite. Sua dor no abdômen, constantes enjoos e vômitos deixaram um peso doloroso no meu coração. O câncer havia perfurado o seu intestino. Ela era alimentada por meio de sondas e evacuava na cama. Às vezes, quando tinha vômito fecal, os resíduos chegavam à sua boca, nariz e ânus ao mesmo tempo.



A doença de Mira irritava algumas enfermeiras. Hesitavam em atender os chamados do seu quarto. Uma vez, escutara uma das enfermeiras fofocar que eu havia perdido a noção das coisas.



- Ele está absorvendo a doença dela. Como pode uma pessoa respirar confortavelmente nesse corpo fedido?



Mira era o meu anjo da guarda. Ela me acolheu depois de eu perder os meus pais aos 15 anos, mortos durante um protesto contra salários atrasados e suspensos. De acordo com o relatório policial, balas perdidas os haviam matado. Eles eram a espinha dorsal do protesto de solidariedade à causa em Lagos. Por acaso, ouvi Mira dizer a um colega que eles foram vítimas de uma conspiração.



Meus pais morreram como médicos pobres. O juramento proferido, pessoal e profissional, foi o de salvar vidas. Pagavam contas de estranhos no hospital. Após o enterro deles, nenhum parente quis a minha guarda. Sabiam que o hospital particular da minha família estava falido. Mira me adotou. Era a enfermeira-chefe da instituição.



Eu estava exausto. Fechei os olhos. Minha cabeça doía. Ouvir a confirmação da morte de Mira seria como receber um soco. Sequer escutei os passos vindos na minha direção, até sentir mãos me tocando.



- Tejiri, ganhamos. O juiz concedeu permissГЈo para vocГЄ levar Mira para casa atГ© que ela... se vГЎ.



A novidade de Kome, meu advogado, me trouxe alegria. Chorei e o abracei com força. Corri na direção da enfermaria de Mira. Gritei para o médico parar o procedimento.



Eu estava ofegante ao chegar. - Pare, doutor, o seu hospital perdeu. O senhor e toda a equipe perderam. Eu ganhei a ação para levar Mira pra casa. Ela vai comigo.



Meu advogado adiantou-se com a ordem judicial: - Por favor, autorize a saГ­da da paciente para o meu cliente. Daqui por diante ele Г© o responsГЎvel.



Sorri, radiante de alegria, ao ouvir a afirmação. - Sim, devolva a minha Mira. Todos devem ter dito a ela coisas horríveis para que odiasse a si própria e procurasse a morte como solução.



Toquei a bochecha de Mira.



Ela sorriu debilmente. - VocГЄ Г© um tolo. Ah, Tejiri, isso foi uma bobagem. O fedor serГЎ insuportГЎvel na sua casa. Depois da minha partida, o apartamento irГЎ cheirar mal ainda por um bom tempo.



- Sim, Mira, Г© esse o meu desejo. Quero manter o seu cheiro; para sempre.



As enfermeiras nГЈo gostaram de limpar Mira nem pela Гєltima vez.



- Escute, enfermeiras, eu sei que nenhuma das senhoras quer fazer isso. Mas mudem essas caras carrancudas, façam isso sorrindo. Ela está saindo do hospital para sempre. Vou levá-la para uma ilha. Seremos apenas nós dois no paraíso.



- Mal posso esperar para ver esse paraГ­so - disse Mira.



- Г‰ apenas uma casinha bonita, numa ilha em Epe. Ah, Mira, vocГЄ vai adorar.



* * * * * *



Estávamos na varanda. O sol da manhã nos banhava. Era como um bálsamo de cura. Havia feito muito frio na noite anterior. O calor moderado confortava a minha pele. Mira se sentia em casa. Ela estava em uma maca. Apoiei suas costas e braços em alguns travesseiros.



- Tejiri, vocГЄ Г© o melhor cuidador do mundo. Prometo que nГЈo o incomodo.



Ela estava frágil. A maior parte de seus cabelos havia caído e os seus olhos tinham as cores de um rio sombrio e triste. Eu não conseguia enxergar a alegria que seu rosto costumava irradiar. Abri uma barra de chocolate e mordi um pedaço.



- Tejiri, por favor, me dГЄ um pedacinho.



- Mira, e a diabetes? Isso tem açúcar.



Ela zombou: - Tejiri, Tejiri, pode um corpo morto morrer mais?



- De jeito nenhum, desculpe. Tome, pode comer esse e o resto que estГЎ na geladeira.



Abri um pouco mais a embalagem e dei para Mira. Ela comeu o chocolate macio com satisfação. Sorriu, saboreando e deu outra mordida.



- Mira, estГЎ na hora de tomar banho.



- Tejiri, me deixe ficar um pouco aqui. Estou adorando - Mira se aninhou ainda mais na cama macia.



- Sabia que vocГЄ adoraria esse lugar. Eu sempre falei em construir uma ilha particular pra lhe dar de presente, lembra? PerdГЈo por ter sido tГЈo tarde.



Mira suspirou profundamente. - Tejiri, você fez bastante. Tenho tanto orgulho... Você agora é um bem-sucedido engenheiro de Petróleo. Um brinde à prosperidade! - e me deu um pequeno pedaço de chocolate.



Peguei e comi. Olhei para as águas calmas da ilha. Uma rajada de vento fresco soprou em meu rosto e pensei: “essa prosperidade nada significa sem você para desfrutá-la”.



- VГЎ, pegue aqueles chocolates. Quero comer todas as barras que houver na geladeira.



- EstГЎ bem, Mira, vou pegar os chocolates.



- Eu amo vocГЄ, Tejiri.



- Mira, sabe o quanto eu a amo. - Dei um beijinho na sua testa.



Fui ao banheiro e, enquanto urinava, uma brisa fria roçou as minhas pernas. Tive um calafrio repentino e pensei de onde poderia vir, porque a temperatura do banheiro estava cálida. Olhei a porta e a janela fechadas; fiquei meio sem entender. Sacudi minha cabeça, dei descarga e lavei as minhas mãos.



Levei um tempo para abrir todos os chocolates, colocГЎ-los numa bandeja e cobri-los com um pano. A caminho de Mira, tropecei e gritei. Machuquei o dedГЈo, mas ignorei a dor e corri para a varanda.



Mira estava confortavelmente relaxada. Tinha colocado um travesseiro sob os pГ©s. Seus lГЎbios estavam lambuzados de chocolate. Sorri, coloquei a bandeja sobre a mesa e me ajoelhei em frente a ela.



- Mira, olhe sГі quantos chocolates. VocГЄ vai fazer uma festa!



Mira estava em silГЄncio e imГіvel. Peguei sua mГЈo: o corpo estava quase frio. Seus olhos permaneciam abertos. Fechei suas pГЎlpebras e chorei. Mira nГЈo esperou para se despedir de mim...



LГЎgrimas rolaram pela minha face por muitos dias.


Dois



HistГіrias da Aldeia



Jessa nasceu em Jagua. Quando o homem mais velho da aldeia morreu, ele esperou fervorosamente ascender a essa posição, por isso ficou chocado com as notícias recebidas do Conselho de Coroação sobre Jagua não ser o seu lugar de origem. Assim, eles não poderiam coroá-lo como Okpako – o ancião da aldeia. Seus ancestrais tinham sido andarilhos. Como Jagua era hospitaleira, haviam resolvido se estabelecer naquela comunidade.



O primogênito de Jessa, Jaja, ficou enraivecido. Jurou processar a comunidade perante o Tribunal. Queria provar que eles estavam enganados, pois quatro gerações do seu clã já não eram de forasteiros.



Jaja argumentava que, quando um indivíduo permanecia em determinado território por algumas décadas, naturalmente se tornava cidadão do Estado. Os migrantes eram aceitos e respeitados como os locais. Tinham as mesmas vantagens, apesar de não existir nenhuma documentação oficial de cidadania no passado. Jessa tentava convencer o filho a não entrar com a ação na Justiça.



Entretanto, Jaja estava inflexГ­vel e deu entrada ao processo. Dizia ao pai que a denГєncia pГєblica sobre o seu clГЈ era deplorГЎvel.



- Amanhã, procurarei obter informações na aldeia - declarou Jaja. - Traçarei nossas origens.



No dia seguinte, Jessa saiu para um passeio noturno. Ao retornar, seu filho estava esperando na sala. Jaja se levantou e colocou o pai sentado, encostando a bengala dele na parede.



- Onde esteve? - Jaja perguntou. - Parece exausto. Vou pegar um copo dВґГЎgua pro senhor.



Jessa bebeu a ГЎgua vagarosamente atГ© o final. Jaja pegou o copo e o colocou sobre a mesa.



- Obrigado, filho. O que descobriu? VocГЄ ficou muito tempo fora.



Pegou sua caixa de rapГ© e colocou um pouco do pГі nas narinas. Espirrou e beliscou o nariz.



- Pai, tracei nossa genealogia até Ebito. Fica a quatro aldeias de Jagua. Foi de lá que seu bisavô migrou. As pessoas me receberam com carinho. Pai, eles reconheceram a marca de nascença na minha bochecha. Disseram que o seu bisavô tinha a mesma marca.



Jessa acenou com a cabeça, nervosamente.



- Irei para lГЎ e construirei uma casa; uma nova casa para nГіs - afirmou Jaja.



Jessa não estava contente com essa notícia. Ele não queria deixar Jagua. Essa terra era patrimônio dele. “Por que construir uma nova casa tão cedo”? Pensou, preocupado. Pegou o copo e o colocou entre as pernas.



Jaja percebeu que seu pai nГЈo estava feliz.



- Pai, por que está tão triste? O senhor deveria estar alegre porque descobrimos nossa real identidade. Eu sei que nós perderemos muitas coisas ao sair de Jagua – alguns bens e lembranças preciosas. Adoraria ficar aqui, mas a comunidade ridicularizou e desonrou a nossa família. Não se preocupe, pai. Nunca é tarde para começar de novo. O pior dano teria sido não sermos capazes de descobrir a nossa cidade natal. O bom é que um parente até mesmo reservou um pedaço de terra para nós em Ebito. Irei para lá esta noite. Temos muito trabalho pela frente. Liguei para os meus irmãos quando voltava de lá e eles enviaram dinheiro para a compra do material de construção.



Jaja ajoelhou-se em frente ao pai e tocou em seus pГ©s, em sinal de respeito. Jessa deu um tapinha amoroso no ombro do filho, que levou o copo para a cozinha e se dirigiu ao seu quarto. O semblante de Jessa estava pesado.



* * * * * *



Pela manhГЈ, o anciГЈo deu uma caminhada pela aldeia num silГЄncio inquietante. Foi atГ© a margem do rio, onde havia passado a maior parte de sua vida, nadando, quando menino e pescando, jГЎ adulto. O rio era bom para ele. Foi em suas lindas areias brancas que certo dia encontrou um enorme diamante.



Jessa não o cobiçou apenas para si próprio. Toda a aldeia se beneficiou com a venda do diamante. Ele enviou os seus filhos e outras crianças da comunidade para estudar na cidade. Seus filhos eram bem-sucedidos em suas carreiras. Quatro deles moravam na Europa. Apenas Jaja estava em Jang, uma localidade perto de Jagua.



Jakpo, um amigo Г­ntimo de Jessa, aproximou-se:



- Vi Jaja esta manhГЈ. Ele me contou tudo. Jessa, por que quer ir embora? O povo de Jagua nГЈo pediu para vocГЄ ir embora. Essa tristeza Г© porque nГЈo pode ser o Okpako? Jagua nГЈo pode lhe conceder esse tГ­tulo. VocГЄ nГЈo Г© um cidadГЈo legГ­timo, motivo pelo qual nГЈo pode ser o membro mais idoso da comunidade. Esse tГ­tulo Г© como se fosse uma realeza. A aldeia nГЈo pode dar esse tГ­tulo a um forasteiro.



- Não, Jakpo, está enganado. Esse título é honorário para um homem que já vive há muitos anos nessa Terra e em determinado lugar. O título não é o legado de uma casa real. É um título de transição para um homem comum. Qualquer pessoa digna pode merecê-lo. Você sabe há quantas décadas estou em Jagua? Eu nasci aqui. Tenho 88 anos. É um privilégio, quando os deuses permitem a cabeça negra de um homem se tornar grisalha. Não se pode transformar diamante em ouro, mas eu ganhei essa honra. O Conselho de Coroação pensa que roubou a minha alegria, mas esses homens estão enganados. Não importa se a comunidade me concede o título ou não. Eu ganhei esse direito por natureza.



Fez-se silГЄncio por alguns minutos.



Jakpo pigarreou e mastigou o seu bastãozinho de escovação. Cuspiu alguns pedaços e o mastigou novamente.



- Sou o prГіximo da fila. O povo de Jagua irГЎ me coroar Okpako.



- Sim, parabéns, meu bom amigo. Possam as bênçãos dos seus ancestrais se derramar sobre a sua vida. Como se diz aqui, nunca tivemos dificuldades com os peixes no rio. Sempre houve o suficiente para cada pescador. Não vamos brigar por causa de um título. Eu lhe desejo o melhor, meu amigo.



- Jessa, nГЈo deveria ir. VocГЄ Г© uma parte importante desse reino. Seus ancestrais moram aqui.



- Meus ancestrais também vivem em Ebito. Oferecerei libações a eles em meus últimos dias na Terra. Não os conheci, então deixe-me ir e venerá-los em Ebito. Jakpo, preciso ir, retornar às minhas origens. Rezo para ser bem recebido. Tenho certeza de que o meu próprio povo não me pesará com a balança do desprezo. Quem sabe, meu amigo? Os deuses me deram oportunidade para me reconciliar com as minhas raízes. Lá, os descendentes dos meus filhos não serão uma geração perdida. Não serão negados pela família. Eu só imagino quem revelou esse “conhecimento” após tantas décadas. Eu nunca soube não ter nascido em Jagua. Alguém sabe da minha história mais e melhor do que eu mesmo?



Jakpo desviou o olhar.



- Jakpo, você tem alguma noção de quem disse que eu não era originalmente de Jagua?



Jakpo riu com nervosismo. - Não, meu amigo. Não faço a menor ideia, - disse, rapidamente. - Espero que mude de opinião a respeito de deixar Jagua; sua decisão é tão torta quanto esse rio. Sei do seu desejo de ficar em Jagua.



- Meu coração sempre estará com esse rio. Essas águas vivem nas minhas veias. Mas agora, deixe-me provar das águas das minhas origens. Se dependesse de mim, eu envelheceria e morreria em Jagua. Meus filhos, sim, desejam a nossa mudança daqui para sempre. Preciso acatar o pedido deles. Um homem não pode ter medo de andar nu em sua própria casa; somente o hóspede tem de ter cuidado na casa. Eu tenho muitos “hóspedes” em Jagua. Deixe-me levá-los de volta pra casa. Meus filhos se sentirão completamente estranhos aqui quando eu morrer. Qual é o sentido de permanecer em Jagua, quando as pessoas nos mostram que nosso lugar não é aqui? A herança da qual tanto me orgulho não serve como identidade para os meus filhos. Deixe-me levá-los para casa, de forma a que possam se orgulhar de sua origem.



Jakpo olhou para alГ©m do rio com um sentimento de nostalgia e perguntou:



- VocГЄ se lembra uma vez, de como corremos atrГЎs de um coelho atГ© a sua toca?



- Nós fechamos o buraco. Tínhamos ido buscar lenha na floresta para preparar carne de caça e não conseguíamos encontrar o caminho de volta. - Jessa lembrou.



- E quase fomos carne de caça quando aquele lobo investiu contra nós. – Jakpo falou isso rindo.



- Tivemos sorte de o caçador tê-lo matado antes de sermos atacados, - disse Jessa, e bufou a seguir.



Os dois anciãos riram. Relembraram as ocasiões em que corriam pela comunidade quando crianças, mas seus sorrisos desapareceram quando a realidade se fez presente.



- Os dias andam cinzentos e difГ­ceis, - Jakpo conjecturou. - Sentirei a sua falta, meu velho amigo. Quando vocГЄ se for, ficarei muito sГі. Esses jovens nГЈo tГЄm tempo para velhos rabugentos. Quem me farГЎ companhia?



- Quem me visitarГЎ e tomarГЎ conta de mim, se eu ficar? Vou perder Jaja e os meus outros filhos, se nГЈo for para Ebito. Eles tomaram a decisГЈo. Querem deixar Jagua para sempre.



Jessa cuidadosamente se curvou e pegou um seixo. Apertou-o com força e sentiu a energia da pedra.



Jakpo assentiu com a cabeça: - Você tem um grande filho naquele jovem, o Jaja. Gostaria que um dos meus voltasse para casa. Décadas de lembranças irão desaparecer após a sua partida. Adeus, meu amigo; nos encontraremos do outro lado.



- Sentirei a sua falta. NГЈo posso dizer o quanto e vocГЄ nГЈo pode ver direito, pois meus olhos estГЈo muito secos agora, de tanto eu chorar.



Desejou boa sorte a Jakpo e o deixou Г  beira do rio.



- Espero que você mude de opinião e fique, meu amigo. Não sabia que a situação se tornaria tão complicada assim. Eu só queria o que era meu por direito, - Jakpo sussurrou após a figura de Jessa desaparecer na paisagem.



Jessa voltou para casa. Algumas crianças vieram brincar e ele compartilhou o dinheiro que tinha no bolso.



* * * * *



Antes de amanhecer, Jessa e Jaja estavam prontos para viajar para Ebito. O ancião olhou na direção do riacho com saudades. Imaginou-se caminhando naquela direção com Jakpo e seus apetrechos de pescaria.



- Não é fácil deixar essas lembranças para trás. - Jessa estava muito triste.



- Venha, pai. O senhor jГЎ se despediu o bastante. Devemos partir antes do nascer do sol, pois a estrada nГЈo Г© boa na hora do trГўnsito pesado.



- Sim, algumas estradas nГЈo reconhecem as velhas rodas que sempre passaram por elas. NГЈo lhes dГЈo tratamento diferenciado. Vamos. NГЈo somos mais bem-vindos aqui.



Duas semanas mais tarde, os anciãos da aldeia fizeram um encontro e concluíram que a casa de Jessa seria o novo local de reuniões. Ele a deixara como presente. Porém, no dia da Coroação de Okpako, as retroescavadeiras apareceram.



A voz do motorista do veículo ressoou em um alto-falante. - Todos nessa casa devem sair! Em pouco tempo, ela será demolida. Vou contar até trinta e avançar.



Ele começou a contar: - um, dois, três, quatro....



Ao chegar a dezenove, jГЎ estava vazia. A retroescavadeira colocou a casa abaixo, obedecendo as ordens de Jaja.



As pessoas assistiram com tristeza quando alguns homens quebraram com marretas as paredes restantes. Nenhuma estrutura permaneceu de pé. Os pedaços de cimento foram colocados no reboque e levados dali.



- Esse é um acontecimento ruim. Como podemos fazer a cerimônia da coroação nessas ruínas? Temos de procurar outro local ou marcar nova data para a coroação. - Disse um jovem.



- Mas, onde estГЎ Jakpo? - perguntou o lГ­der da comunidade, com certa ansiedade.



- Ele ainda nГЈo havia chegado. SerГЎ que jГЎ sabe da novidade? Esse incidente infeliz irГЎ arrasГЎ-lo. Sua cerimГґnia foi arruinada e nГЈo poderГЎ acontecer hoje. - Mencionou um senhor.



- Jakpo deve ter ouvido a notГ­cia. Ele sabe tudo. NГЈo foi ele que descobriu que Jessa nГЈo era cidadГЈo de Jagua? Vamos fazer uma visita, - disse o lГ­der.



NГЈo encontraram Jakpo em casa. Sabiam que ele gostava do rio e pensaram que poderia estar lГЎ.



Ao sair da casa a caminho do rio, encontraram o menino que tomava conta dele. Jakpo saГ­ra ao nascer do sol.



- Esse Г© um comportamento estranho. Vamos ver se ele estГЎ no riacho.

Chegaram ao rio e viram Jakpo boiando na margem. Correram e o arrastaram para a terra. Estava morto. Viram seu par de sapatos, Гіculos de leitura e um livro embaixo de sua ГЎrvore favorita. Jessa e Jakpo haviam talhado algumas raГ­zes de ГЎrvores prГіximas Г  beira dВґГЎgua para fazer bancos. Seus pertences estavam empilhados sobre a raiz. O menino caiu no choro.



- Acho que ele cometeu suicídio. Ah, o reino das trevas lançou seus olhos malignos sobre Jagua. Hoje é um dia muito infeliz na nossa história. Quem nos acordará desse pesadelo? - lamentou uma mulher.



- Olhe aqui, chefe. - O menino limpou as lágrimas com o braço e lhe entregou um bilhete.



- Onde vocГЄ encontrou isso? - perguntou, com espanto.



- O que diz a mensagem? - uma mulher indagou.



O lГ­der da comunidade leu em voz alta:



“Eu não posso conviver comigo mesmo após trair o meu melhor amigo, Jessa. Desculpe-me, querido amigo. Meu bisavô havia me contado sobre a sua história. Eu disse aquilo ao Conselho de Coroação porque achei que merecia ser o Okpako. Pequei ao invejar a sua situação. Por favor, me perdoe. Ninguém deve chorar por mim. Eu já fiz isso. Jakpo”.



Porque cometeu suicГ­dio, a comunidade nГЈo fez uma cerimГґnia de enterro para ele. Seus filhos o carregaram para a floresta do mal e jogaram o corpo para os animais selvagens enterrГЎ-lo em seus estГґmagos.


TrГЄs



Eu Enterrarei o meu Pai



A Prefeitura do povoado estava repleta de pessoas estressadas. Cada um parecia estar cortando a garganta do outro com armas imaginГЎrias.



Um jovem musculoso correu agressivamente para Ovie, que se preparou para pegar o soco, conseguindo torcer o punho do rapaz até que um senhor separasse a briga. O jovem enraivecido gemeu e sentou-se no chão com o braço pendurado.



Ovie sorriu com sarcasmo:



- Vejam os fracos que querem contestar a minha decisГЈo. Eu estrangulo quem ousar me desafiar.



Um idoso caminhou para frente. Encarou Ovie e sacudiu sua cabeça. Olhou para baixo por alguns instantes, bateu sua bengala no chão e novamente o mirou:



- Ovie, você devia ter adivinhado que um de nossos valorosos jovens agiria rapidamente para repelir a sua ação impensada. Estou avisando: não ficará só nisso. Um exército irá defender os direitos do seu pai.



- Quero ver vocГЄs todos tentarem. Enterrarei o meu pai em Apele. Ele permanecerГЎ em sua mansГЈo e ninguГ©m poderГЎ me impedir.



Para validar as suas palavras, Ovie bateu no peito, com tamanha força que seu tórax estremeceu.



- Veremos. Vamos preparar os rituais de sepultamento do nosso parente. Observe como a luz ajudarГЎ o redil a encontrar a saГ­da do deserto -, disse o velho homem religioso.



Pegou um giz branco no bolso do peito de sua camisa e desenhou um círculo no chão. Olhou para o teto e entoou um canto inaudível enquanto um empregado trazia um galo branco com aparência meio fraca. Desamarrou as pernas do animal e cantou salmos em volta do caixão. O galo dançou no círculo e, em seguida, escapou para fora do recinto.



Os aldeões deixaram a Prefeitura. Ovie continuava decidido a enterrar o pai na cidade. Era costume de filhos e filhas enterrar os seus nas aldeias, como era Godere. No entanto, o rapaz, criado na cidade, argumentava que nem todas as crianças haviam nascido na aldeia, então não era obrigatório seguir as normas locais.



Ovie se voltou para o tio, Mamus: - Por favor, me diga como os nossos ilustres convidados se acomodarГЈo na aldeia. NГЈo hГЎ hotГ©is. NГЈo hГЎ sequer um albergue para lhes dar o mГ­nimo conforto. Aqueles ridГ­culos insetos invisГ­veis quase me picaram atГ© a morte quando vim marcar a data do enterro do meu pai. Darei a ele uma cerimГґnia de luxo, em grande estilo. Tio, o que o senhor acha?



- Ovie, vocГЄ quer a minha opiniГЈo honesta?



Ovie desviou o olhar.



- Pensei bastante e você já sabe a minha posição sobre o assunto. Se você tivesse sido uma pessoa responsável, teria construído um prédio na aldeia que acomodaria seus amigos da alta sociedade. Sabe por que os jovens estão fazendo isso?



- Pode falar. NГЈo que vГЎ fazer algum sentido, mas..., - disse Ovie.



Mamus balançou a cabeça. - Vou falar para você: muitos filhos e filhas de Godere tendem a construir mansões na cidade e nem um alicerce sequer em Godere. Os nossos jovens, ao contrário, se dedicam a esse costume com paixão, a fim de mostrar às pessoas os benefícios de construir na aldeia não apenas as suas moradias, mas também as indústrias, que permitirão a transformação do lugar em município. Seu pai queria ser enterrado em casa e, assim, devemos satisfazer o seu desejo. Era a sua vontade. Acho que conforto para convidados não é o único motivo para esse show que você está fazendo. Você fala como se fosse um rei e age como um guarda palaciano comum. Ou você também pode adiar o funeral do seu pai até construir um grande hotel ou uma pousada!



Ovie olhou para o tio com desprezo e saiu furioso da Prefeitura.



******



No dia do enterro, os jovens de Godere alugaram uma caminhonete para ir a Apele. Ovie havia levado a polícia para proteger o corpo no necrotério. Os jovens, enraivecidos, enfeitiçaram os policiais e recolheram as suas armas. Eles ficaram completamente paralisados, enquanto os rapazes entravam no necrotério e carregavam o caixão.



O ataúde foi colocado no carro e só então os policiais foram liberados do feitiço, recebendo fortes bofetadas nas suas faces e chutes em seus traseiros.



- Este é um aviso razoável para nunca mais se meterem nas atividades dos jovens de Godere. Vamos poupar a vida de vocês. Hoje é o dia sagrado do ritual de passagem do nosso irmão. Vocês tiveram sorte porque a nossa guerra não é com vocês, mas com aquele filho desorientado do finado -, advertiu o líder dos jovens, fazendo um movimento de ameaça.



Antes de entrar no veículo, os jovens lançaram olhares de intimidação para os oficiais que, com medo, correram até desaparecer.



O Inspetor do pelotão era novo naquela área. Os subordinados mais jovens haviam resistido à tarefa de tomar conta do corpo, mas ele os havia ameaçado de perder o emprego.



- Chefe, agora entende o que tinha lhe dito? NinguГ©m cria confusГЈo com os jovens de Godere, - disse um sargento ao Inspetor, que secava pequenas gotas de suor em sua testa.



Os Soldados da Paz não costumavam interferir nas brigas que a comunidade de Godere se envolvia. Qualquer Comandante de Segurança nomeado para aquela localidade sempre colocava pressão para ser transferido. Quando as situações corriam mal, não era fácil restabelecer a harmonia na comunidade. Os Soldados da Paz, normalmente, permaneciam na periferia. Eles temiam que os conflitos entre os grupos pudessem dominá-los durante a noite, quando estivessem nos alojamentos temporários.



Antes de sair de Apele, os jovens se dirigiram para a mansГЈo dos parentes. LГЎ, espalharam as tendas e derrubaram mesas e cadeiras. Alguns levaram os carrinhos de comida e bebida. O enterro aconteceu em Godere.



Ovie ficou tão furioso ao descobrir, que bateu com a palma da mão com força na parede: - Droga! Não posso crer que eles tenham tirado o corpo do meu pai tão facilmente.



Um amigo pegou no seu ombro com firmeza: - A força dos rapazes era mais poderosa, Ovie, deixe estar. Que a alma do seu pai descanse em paz. Você já perturbou muito o corpo dele. Acho que deveríamos ir à aldeia pedir desculpas.



Ovie afastou a mГЈo dele para o lado.



- Dave, vocГЄ se preocupa com coisas muito pequenas. Meu pai ainda nГЈo foi enterrado. Eles nГЈo ousariam.



- VocГЄ estava surdo quando o tio Mamus disse que assistiu o sepultamento? VocГЄ estava cego quando ele nos mostrou fotografias da cerimГґnia? Ovie, entenda uma coisa de uma vez por todas: eles colocaram seu pai debaixo da terra. Acabou.



- NГЈo, nГЈo acabou. Temos de exumar o corpo e enterrГЎ-lo no devido lugar.



- Acho que vocГЄ enlouqueceu; estГЎ muito quente aqui...



Dave foi ao bar e se serviu de um copo de suco com cubos de gelo.



- NГЈo estou. Mas vou ficar. Vou ficar maluco se nГЈo fizermos o que Г© certo para o meu pai.



- Esqueça, Ovie. Seu pai está descansando tranquilamente em Godere. Nós devemos nos desculpar.



- Vamos pegar o seu corpo. Por favor, diga que concorda, Dave, temos de fazer isso. VocГЄ prometeu que me apoiaria.



- Bem, acho que cheguei ao limite dessa promessa altruГ­sta que fiz. Por favor, me exclua dessa tarefa - disse Dave, tomando um gole dВґГЎgua e se afastando.



- Pode pegar o primeiro voo de volta pra cidade, se quiser - retrucou Ovie - eu mesmo farei isso. Dave ergueu uma sobrancelha.



A mГЈe de Ovie entrou.



- VocГЄ nГЈo vai fazer isso. Filho, o que houve? Foi assim que seu pai e eu o educamos? Pelo amor de Deus, o que estГЎ acontecendo com vocГЄ? Pare com essa tolice, por favor.



Ovie, com o dedo em riste para a mГЈe, afirmou:



- A senhora Г© uma traidora por ter ido a Godere para o enterro. Fique fora disso, mГЈe. NГЈo se intrometa nos meus assuntos.



- VocГЄ estГЎ delirando. Г‰ do meu falecido marido que estamos tratando. NГЈo ficarei em silГЄncio vendo vocГЄ desrespeitar o seu pai. Deixe-o descansar em paz. O que hГЎ de tГЈo especial para vocГЄ querer enterrГЎ-lo aqui? VocГЄ honrarГЎ o pedido de seu pai, pois seu Гєltimo desejo era descansar em Godere, apesar de vocГЄ insistir no contrГЎrio.



- Todos devem acatar a minha decisГЈo ou nГЈo hesitarei em acabar com quem quer que se me meta no meu caminho.



Sua mГЈe se aproximou e parou bem perto dele. Seus rostos estavam a poucos centГ­metros um do outro.



- Onde vocГЄ estava quando a juventude de Godere demonstrou todo o seu esplendor, covarde?



- MГЈe, nГЈo me insulte dessa maneira. NГЈo se atreva.



Mamus chegou: - Ovie, nГЈo fale com a sua mГЈe dessa maneira.



A voz dela ficou mais suave: - Se acalme, meu filho. Ele respeitava as tradições e o seu clã fez todo o rito de sepultamento de acordo com as crenças dele. Você deveria se desculpar com os nossos parentes. Eles concederão a você a honra de finalizar o ritual.



- SГі se for sobre o meu cadГЎver. Enterrarei o meu pai do jeito que eu quiser.



- Ovie, vocГЄ fala como um louco! - ela gritou.



- Ah, cale a boca, mГЈe.



- Ovie, olhe como fala!



Seu tio deu-lhe uma bofetada. – Ela é minha irmã, sua mãe e viúva do seu pai.



A força do tapa fez girar o rosto de Ovie. Levou um tempo até que ele voltasse a olhar para o tio. Tensionando os ombros, disse:



- Tio, o senhor me esbofeteou? - Perguntou, incrГ©dulo.



- Sim, e pode acreditar que farei isso inúmeras vezes se você desrespeitar a sua mãe novamente. Aturei as suas maluquices até agora porque é meu sobrinho, mas chega. Pensei que estivesse frustrado porque havia perdido o seu pai. Estava olhando pra você como se fosse uma criança birrenta, mas... Ovie, esqueci que você não é mais uma criança. Fiz papel de bobo esse tempo todo o apoiando e não consegui convencê-lo sobre os costumes do povo do seu pai.



Ovie sacudiu a cabeça, inclinou-se, reverente, para a mãe e saiu.



Dave nГЈo conseguia olhar para a mГЈe de Ovie. Entrou na sala e voltou com a sua maleta: - Por favor, me perdoe, mГЈezinha. Irei imediatamente para a cidade. - E pegou um Гґnibus comercial apГіs deixar a casa.



Em Godere, Г  meia noite, Ovie reuniu alguns homens para tirar seu pai do caixГЈo e enterrГЎ-lo em Apele.



O choro triste de um homem adulto começou a ser ouvido na aldeia, dia após dia, o que fez com que os vizinhos perdessem o sono. Pediram, então, a Ovie e sua família que viessem à casa deles para descobrir o mistério.



- O oráculo foi claro: ele mostrou que o espírito de seu pai está inquieto onde foi enterrado – explicou Mamus.



- Eu avisei. Eu disse que meu pai não deveria ter sido enterrado na aldeia – Ovie enfaticamente salientou.



- Cale-se! O espГ­rito de seu pai nГЈo estГЎ inquieto em Godere. AlguГ©m removeu o seu corpo da cova. Escute, o espГ­rito de seu pai deseja retornar Г s raГ­zes. AlguГ©m substituiu o corpo por outro, o de um estranho. A alma dele estГЎ chorando em Godere. Ele pediu que, seja lГЎ quem tenha exumado o cadГЎver, o trouxesse de volta para o devido lugar.



A mГЈe de Ovie se voltou para ele, desconfiada: - Ovie, onde vocГЄ colocou o corpo?



- NГЈo sei. A senhora deveria perguntar aos seus parentes. Pergunte se eles tiraram o corpo do cemitГ©rio e o enterraram em Godere ou se fizeram alguma outra coisa com o corpo do seu marido.



A mãe o esbofeteou. – Ovie, diga o que você fez com o corpo de seu pai!



- Já disse que não sei. Vocês querem que eu conte uma mentira? – Ovie gritou.



Outra estrondosa bofetada de sua mãe estourou no rosto de Ovie: - Diga onde está o meu marido, seu idiota! Se você não me disser em um segundo, eu amaldiçoo você aqui e agora!



Diante da ameaça, Ovie correu na direção do corredor. A família o seguiu. Ovie havia enterrado seu pai em um dos quartos de hóspedes.



- Isso é abominável. Ovie, o que você fez com o seu pai? – Mamus perguntou, com tristeza.



Sua mãe cobriu a boca, em estado de choque: - Eu estava certa. Você ficou maluco – constatou.



- Eu só queria enterrar meu pai do meu jeito. Essa é a casa dele, não é? Não faz parte da tradição enterrar as pessoas em suas casas?



Ovie se deixou cair no chão e chorou. – Eu tenho o direito de enterrar o meu pai do jeito que quiser.



A viГєva pediu a alguns jovens que levassem o corpo de volta a Godere. Ovie teve de pagar uma multa, como penalidade por seu ato. Os habitantes da aldeia acabaram perdoando o rapaz e permitiram que ele realizasse os ritos finais da cerimГґnia de sepultamento.




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